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segunda-feira, 5 de abril de 2010

O Serviço Social na Educação: novas perspectivas sócio-ocupacionais.* Ney Luiz Teixeira de Almeida.**

Tomamos como ponto de partida de nossa reflexão a consideração de que a compreensão das novas perspectivas sócio-ocupacionais que se abrem hoje para o Serviço Social na área de educação não devem ser analisadas sem destacar a centralidade da educação na dinâmica da vida social. É inegável que a educação tem ocupado um lugar de destaque ao longo do processo de expansão da sociedade capitalista, sobretudo, se tomarmos as rápidas transformações tecnológicas e científicas ocorridas durante o século passado. Contudo, de forma alguma, podemos reduzir sua importância ao particular peso que teve no desenvolvimento das forças produtivas. Salientamos, em especial, sua dimensão estratégica no âmbito das disputas ideológicas e da esfera política. Destarte, a dinâmica histórica da educação como instância da vida social ocupa um lugar de destaque no largo espectro do pensamento e da ação política, demarcando uma arena de disputas intensamente polarizadas.
Os tensos contornos dessas disputas sublinham a importância da relação entre política e educação na construção da democracia, sobretudo em função da complexidade que a educação adquire como instância da vida social e o seu significado no curso dos processos políticos que se dão na esfera do Estado e da Sociedade Civil em nossa sociedade. Deste modo, não podemos deixar de ressaltar que a educação tem ocupado um lugar central no âmbito das lutas sociais voltadas para a superação da sociedade do capital e das formas de opressão que lhes são características, assim como na agenda intelectual e política de um leque bastante amplo de educadores e cientistas sociais. Mészáros, por exemplo, destaca que “uma transformação social e emancipadora radical é inconcebível sem uma concreta e ativa contribuição da educação no seu sentido amplo”, contudo, nos alerta para o fato de que uma educação para além do capital “não pode funcionar suspensa no ar” (2005: 76). Ao passo que um processo de transformação social não possa prescindir de uma significativa contribuição das ações que constituem a esfera da educação, tampouco essa mesma instância da vida social não pode assumir novas e radicais funções no conjunto dos processos de (re) produção social sem dispor de condições históricas e objetivas para alçar tal posição.
A dialética da relação entre a força das circunstâncias e da ação do sujeito, apresentada por Marx, ganha, assim, uma crucial importância nas reflexões sobre o significado da educação nos processos de transformação social.

A teoria materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por exemplo, Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstâncias e das atividades humanas só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática revolucionária. (1977: 118-9).

As teses reprodutivistas e mecanicistas que grassam no fértil terreno das elaborações teóricas, muito embora tenham tido fortes influências na constituição de estratégias tanto no campo da educação quanto no da política, mostraram-se - do ponto de vista da experiência histórica concreta - insuficientes no trato da complexidade que envolve a relação entre poder e educação no que diz respeito aos processos de manutenção ou mudança social. Para a superação dos pontos de estrangulamento no trato dessa relação é fundamental compreender a educação a partir dos processos históricos que a tornaram uma dimensão cada vez mais complexa da vida social. Sublinhamos essa necessidade em função da particularidade com que a esfera da política vem sendo esvaziada de sentido no capitalismo contemporâneo, através de uma ampliação das relações mercantis, que subsumem diferentes instâncias da vida social à lógica da mercadoria (MÉSZÀROS, 2002), incluindo de modo estratégico nesse processo a própria educação.
A educação como dimensão da vida social possui um caráter ontológico, ou seja, constitutivo dos modos de existência humana, do ser social, da organização da vida em sociedade. Portanto, pensar os processos de mercantilização das relações sociais como uma necessidade da própria lógica de expansão do capital e, conseqüentemente, a educação como condição e resultado desse processo, requer não perder de vista a historicidade dessa dinâmica, evitando-se subverter o pensamento sobre a realidade aos limites impostos por uma de suas possibilidades históricas. A história da educação revela uma cada vez mais complexa articulação de instituições que se ocupam de diferentes funções socializadoras. A família, as instituições religiosas, os movimentos associativos entre outras, ao lado da escola contribuem para a constituição do amplo e diversificado campo educacional. Muito embora, muitas dessas instituições tenham sofrido profundas transformações em suas funções educativas, particularmente a partir das necessidades de expansão do próprio capital, não desapareceram ou perderam de todo algumas de suas feições centrais.
Fato decisivo na compreensão das diferentes dimensões que a educação adquire na sociedade capitalista, conforme destacou Marx no Manifesto Comunista, foi a sua inscrição na esfera das ações reguladas pela esfera pública, ainda que não tenha representado a sua completa transferência da esfera privada e familiar, representou uma subordinação de novo tipo da educação aos interesses da burguesia. E, por conseguinte, em campo de disputa das classes sociais fundamentais, dada a própria natureza contraditória do Estado moderno.

Você nos incrimina de querer terminar com a exploração das crianças pelos pais? Deste crime, confessamo-nos culpados. Mas, dirão vocês, estaremos destruindo a mais abençoada das relações ao trocarmos a educação do lar pela social.
E a sua educação?! Não é ela também social e determinada por condições sociais sob as quais você educa, por intervenção direta ou indireta da sociedade, nas escolas etc? Os comunistas não inventaram a intervenção da sociedade na educação. Eles procuram alterar o caráter dessa intervenção e resgatar a educação da influência da classe governante (MARX e ENGELS, 1998: 38-9).

A assunção da educação no capitalismo ao patamar de campo de regulação por parte do estado não elimina o caráter ontológico da educação e nem a restringe a sua dimensão escolarizada. Por esse motivo, enfatizamos a importância dessa abordagem para a compreensão da relação entre política e educação, pois não se trata apenas de pensarmos a educação escolarizada, polarizada pelas disputas das classes sociais, mas de sua relação com os demais processos que constituem a educação como dimensão da vida social e que sob o sistema do capital tendem a subsumir-se à lógica da mercadoria. É fundamental, neste sentido, pensar que toda educação tem uma função política e que sob o capitalismo se organizou um tipo novo de intervenção e um esforço de controle da vida social, em especial da educação alçada à qualidade de política pública e, por essa mesma razão, à qualidade de direito social. Ressaltamos, portanto, a complexidade adquirida por essa instância, que denominamos de educação, e que, ao se articular organicamente à reprodução da vida social no modo de produção capitalista, passa a ser determinada por suas ricas e pulsantes contradições.
A educação que se quer emancipadora não se restringe à educação escolarizada, organizada sob a forma de política pública, mas não se constrói a despeito dela, visto que sob as condições de vida da sociedade capitalista é ela que encerra a dimensão pública que mediatiza, de forma institucional e contraditória, o direito ao acesso aos bens e equipamentos culturais de nosso tempo. Por essa razão a educação escolarizada ao passo que se constitui em expressão da dominação e controle do capital é ao mesmo tempo objeto das lutas das classes subalternas pela sua emancipação política. A arena da luta política e da disputa pela direção dos projetos societários e educacionais determina na sociedade capitalista a possibilidade de diferentes contornos da relação do Estado com a sociedade civil.
Pensar as particularidades da política educacional na atualidade requer também situar sua dinâmica e sua extensa e complexa capilaridade institucional em relação às transformações em curso tanto no mundo do trabalho quanto no da cultura. A relação entre a organização da educação escolarizada e o mundo do trabalho não se dá de forma imediata e mecânica, assim, apreender as mediações que as determina é fundamental para situar os projetos e práticas sociais que atravessam e compõem o universo educacional. Vale, a título de ilustração da importância desta relação, a observação de que, ao longo dos anos 90, ao mesmo tempo em que se detectou uma expressiva diminuição dos postos de trabalho e o reconhecimento do desemprego como um fenômeno não sazonal, mas estrutural no capitalismo, também se verificou uma enorme expansão do ensino superior privado no país, seja em termos de abertura de vagas ou de instituições, seja na comparação do total de alunos inscritos nas instituições privadas e nas instituições públicas. Como explicar esta aparente contradição sem referir às mudanças no âmbito do Estado em relação aos seus papéis como executor e gestor no campo das políticas sociais? Sem considerar o paradigma da empregabilidade (GENTILI, 1998) e o grau de adesão ideológica de certos estratos sociais ao mesmo como orientador das estratégias de ingresso no “seleto e restrito” mercado de trabalho? Ou, ainda, sem lançar luzes sobre o amplo e polêmico debate em torno da crise fiscal do Estado e da política de renúncia fiscal como estratégia de incremento aos setores produtivos? E, por último, como prescindir da análise da expansão da burguesia do setor de serviços (NEVES, 2000) e, particularmente, a do setor educacional e da progressiva transformação dos serviços culturais e educacionais em mercadoria?
Destarte, algumas mediações passam a ser centrais para a compreensão da relação entre a educação, como dimensão da vida social, e a dinâmica do mundo da cultura e do trabalho. Situar a política educacional neste esforço é imprescindível, o que impõe a necessidade de não produzir nenhum hiato interpretativo no tratamento de sua complexidade, ou seja, não se pode desconsiderar a relação entre suas expressões legais, na qual se inscreve a LDB, e institucionais, nas quais se materializa a extensa e diferenciada rede de instâncias e unidades educacionais, com os processos culturais, econômicos e políticos presentes na realidade brasileira e mundial. Vale sublinhar que a progressiva ampliação da política educacional em suas bases de sustentação legal, programática e institucional é a expressão histórica do lugar que ocupa nos processos de disputa pela hegemonia cultural em relação ao dinamismo particular da produção e da reprodução social em diferentes períodos. Essa expansão, refletida, por exemplo, na LDB e na diversificada rede de serviços e entidades educacionais, públicas ou privadas, demonstra também a ampliação e o grau de complexidade alcançado na dinâmica entre o Estado e a sociedade civil em seus relacionamentos com esta dimensão da vida social que é a educação.
Nesta perspectiva, ao tratar da política educacional é preciso referenciar o conjunto de áreas que são reguladas em termos das práticas e conhecimentos legais e educacionais socialmente reconhecidos hoje enquanto arcabouço institucional desta política. Ergue-se a partir desta forma de abordagem uma questão de ordem teórica e política que é o próprio processo histórico de institucionalização destas práticas reguladas e que ressalta a preocupação, exatamente no curso dos processos sociais de disputa pela hegemonia, não só no campo cultural, com as práticas educacionais contra-hegemônicas. Saber em que medida essas práticas devem ou não ser conduzidas ao largo dessa institucionalidade, demarcada pela política de educação, tem sido uma das interrogações mais usuais na história da educação. Muito embora se perceba uma tendência entre os principais educadores contemporâneos, comprometidos com uma educação emancipatória, em não trilhar um percurso paralelo, mas caminhar no sentido de que a institucionalização de práticas educacionais contra-hegemônicas seja parte de um processo de conquistas e ampliação dos direitos sociais e de fortalecimento de uma dada concepção política de educação.
Neste sentido, sobretudo para os assistentes sociais, é vital que duas questões sejam assinaladas. A primeira delas é a de que pensar a atuação dos assistentes sociais na política educacional envolve a compreensão da dinâmica e complexidade deste campo de atuação do Estado e da sociedade civil (ALMEIDA, 2003). Não se trata, portanto, de ponderar ou especular sobre essa atuação apenas no interior dos estabelecimentos educacionais mais tradicionais como a escola. Pensar essa inserção dos assistentes sociais exige identificar que a política educacional engloba diferentes níveis e modalidades de educação e ensino: a educação básica que é composta pela educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos; a educação profissional; a educação superior e a educação especial. A organização e a execução desses diferentes níveis de educação e ensino cabem ao Estado em seus três níveis de atuação: a união, os estados e os municípios, sendo que cada um deles tem responsabilidades e incumbências diferenciadas. Destarte, é fundamental que não se perca a dimensão de totalidade na compreensão do significado que a política educacional tem a partir desse desenho institucional na relação entre o mundo da cultura e o do trabalho, ou seja, no âmbito da dinâmica que particulariza as esferas da produção e da reprodução social.
A segunda questão a ser assinalada diz respeito ao reconhecimento de que se a política educacional é uma das expressões das disputas protagonizadas pelos sujeitos sociais no campo da cultura ela também não encerra todas as particularidades da educação enquanto dimensão da vida social. Os assistentes sociais devem, ao mesmo tempo, tomar a política educacional como um modo historicamente determinado de oferta e regulação dos serviços educacionais, que organiza diferentes formas de trabalho coletivo e modalidades de cooperação entre os profissionais que atuam nesta área, como considerar a educação como um fenômeno social, cujas práticas e seus sujeitos envolvem processos que embora se relacionem com a política educacional a ela não necessariamente se circunscrevem. Pensar a educação para além da política educacional é, deste modo, uma outra exigência posta aos assistentes sociais e que requer um olhar sobre a própria dimensão educativa de sua intervenção como constitutiva desses processos mais amplos e não necessariamente vinculada a essa área de atuação do Estado via política social. Em síntese, a dimensão educativa que caracteriza um infindável universo de práticas sociais e experiências profissionais não necessariamente configura um elemento justificador do pertencimento ou proximidade dessas atuações à política de educação.
Existem, contudo, situações reais que têm revelado a necessidade de atuação dos assistentes sociais no ensino fundamental, ou seja, numa área específica da política educacional. Estas situações, resgatando a perspectiva de abordagem que norteia esta reflexão, podem ser compreendidas a partir das expressões atuais da questão social na (e em relação à) educação, em seu sentido mais amplo já referido, assim como em sua dimensão mais particular, a política educacional.
A escola pública e, mesmo, a particular, na esfera do ensino fundamental, se vê atravessada por uma série de fenômenos que, mesmo não sendo novos ou estranhos ao universo da educação escolarizada, hoje se manifestam de forma muito mais intensa e complexa: a juventude e seus processos de afirmação e reconhecimento enquanto categoria social, exacerbadamente, mediado pelo consumo; a ampliação das modalidades e a precoce utilização das drogas pelos alunos; a invasão da cultura e da força do narcotráfico; a pulverização das estratégias de sobrevivência das famílias nos programas sociais; a perda de atrativo social da escola como possibilidade de ascensão social e econômica; a negação da profissionalização da assistência no campo educacional com a expansão do voluntariado; a gravidez na adolescência tomando o formato de problema de saúde pública e a precarização das condições de trabalho docentes são algumas das muitas expressões da questão social.
O reconhecimento da presença desses elementos no universo escolar, por si só, não constitui uma justificativa para a inserção dos assistentes sociais nesta área. Sua inserção deve expressar uma das estratégias de enfrentamento desta realidade na medida em que represente uma lógica mais ampla de organização do trabalho coletivo na esfera da política educacional, seja no interior das suas unidades educacionais, das suas unidades gerenciais ou em articulação com outras políticas setoriais1. Caso contrário, estará implícito, nas defesas desta inserção, a presunção de que tais problemas seriam exclusivos da atuação de um determinado profissional, quando na verdade seu efetivo enfrentamento requer, na atualidade, não só a atuação dos assistentes sociais, mas de um conjunto mais amplo de profissionais especializados. O que parece ser central aqui e que já vem sendo observado pelos profissionais da área de educação é que o professor não vem conseguindo dar conta, sozinho, desses problemas e que o processo de enfrentamento dessa complexa realidade não é de competência exclusiva de nenhum profissional.
Para além das suas funções com o processo de formação do cidadão - perspectiva que vem sendo construída como parte da luta e da organização social da categoria dos educadores e que, portanto, não se inaugura com a possibilidade de entrada de um ou outro profissional na política educacional, mas traduz uma luta histórica no âmbito das forças sociais - o professor não consegue acumular outras funções que a escola vem assumindo como decorrência de seu lugar estratégico no campo das políticas sociais. Há de se destacar, neste sentido, a tendência marcante na última década de articulação das políticas de enfrentamento da pobreza e garantia de renda mínima2 com a política educacional, aumentando o fluxo de informações e responsabilidades institucionais da escola.
Essa função estratégica da escola como porta de acesso de largos segmentos sociais às políticas sociais e seus programas não tem resultado em um processo tranqüilo no âmbito do ensino fundamental. A sobrecarga de funções dos professores, em decorrência da incorporação dos procedimentos administrativos desses programas, a visão até certo ponto ideológica de que a assistência social se converte incondicionalmente em assistencialismo e que determina um “conformismo” das estratégias de sobrevivência das famílias aos programas sociais, acaba gerando uma certa preocupação com o que possa significar a presença dos assistentes sociais nas escolas. Corrobora com essa visão, talvez não hegemônica, mas presente e real, o fato de que as questões relativas à sexualidade, às drogas, à família e à violência, embora façam parte da atuação dos assistentes sociais em diversos outros campos de atuação, também, em certa medida também compõem ou deveriam compor o universo da formação ampla e cidadã com a qual muitos educadores e entidades educacionais investem como parte do processo de construção de uma nova sociedade (LINHARES, 2001). A questão se torna ainda mais delicada se tratada pelo lado da função educativa das práticas profissionais e sociais.
Diante do exposto não procuramos aqui interditar este processo de aproximação do Serviço Social à escola pública ou particular, ao contrário, buscamos as bases reais e o significado político de construção dessa trajetória. A afirmação da dimensão educativa do trabalho do assistente social deve ser considerada não apenas em termos da valorização da sua inserção nas unidades educacionais, mas do seu envolvimento com os processos sociais, em curso, voltados para a construção de uma nova hegemonia no campo da educação e da cultura, dos quais os educadores trazem significativos acúmulos e tradição, seja no campo do pensamento intelectual, seja nas ações profissionais e políticas. Para uma categoria como a dos assistentes sociais esta adesão não representa algo novo, visto que sua aproximação às mais diferentes áreas de atuação do Estado, através das políticas sociais, tem contado com um certo grau de participação e mobilização política nos processos coletivos e na esfera pública. A adesão às lutas e movimentos sociais em torno da erradicação do analfabetismo, de uma educação pública universal, gratuita e de qualidade, do acesso progressivo dos diversos segmentos sociais aos diferentes níveis de educação constitui expressão importante deste processo de valorização da dimensão educativa do trabalho do assistente social como inclusa nos processos de luta e organização social.
Por outro lado, a própria trajetória dos assistentes sociais no que se refere ao acúmulo teórico e profissional no campo das políticas sociais e, em particular, da assistência, tem sido um dos principais fatores de reconhecimento de sua presença em diferentes áreas de atuação, mas cuja efetiva inserção, assim como os alcances da sua atuação ultrapassam o campo da vontade e da competência, visto que expressam movimentos e processos concretos de organização dos serviços sociais no âmbito de estruturas institucionais historicamente construídas. Desta forma, esta possibilidade recai, novamente, no campo da organização e da intervenção política, pois expressará o resultado de um processo de ampliação das formas de enfrentamento das expressões da questão social no ensino fundamental. O reconhecimento do significado social e institucional desta inserção junto aos sujeitos que atuam na área de educação representa, assim, elemento decisivo para sua efetivação, direcionando o debate para a esfera dos processos sociais dirigidos para a ampliação e conquista dos direitos sociais e educacionais.
È muito difícil pensar o engajamento profissional do assistente social em qualquer experiência educativa hoje, seja ela forjada nos espaços e tempos característicos da educação escolarizada, seja ela constitutiva do desenvolvimento dos programas e projetos sociais de diferentes áreas de atuação no campo das políticas públicas, sem levar em conta a preocupação, ao mesmo tempo teórica e política, com a questão da pobreza.
A primeira consideração que devemos tecer a esse respeito é a de que os segmentos sociais, em particular as crianças e jovens assistidos pelos programas e projetos sociais, configuram, por certo, uma das diversas expressões atuais da pobreza que mais desafios coloca para o trabalho do assistente social na área de educação. Primeiro porque o acesso à educação escolarizada passa a ser mediado por alguma política pública que não a de educação apenas. Segundo conquanto representam segmentos sociais extremamente vulneráveis frente aos fenômenos do desemprego e da expansão do narcotráfico como modalidade objetiva de estratégia de sobrevivência ou acesso ao consumo.
Para dar conta do alcance e das possibilidades da atuação profissional sobre essa temática é preciso situá-la no âmbito das mudanças que vêm ocorrendo na dinâmica entre as esferas da produção e da reprodução social, desvelando como os fenômenos como o desemprego estrutural, a contra-reforma do Estado e a hegemonia de uma elaboração cultural pautada na lógica da produção da mercadoria incidem sobre as políticas públicas e, conseqüentemente sobre aquelas experiências educacionais. Destarte, identificamos que a crise de superacumulação experimentada nos anos 70 representa um importante marco para a compreensão das inflexões sofridas tanto no campo da produção quanto da reprodução social. O esgotamento do padrão fordista-keynesianista de produção e regulação social determinou a recomposição por parte do capital das estratégias de enfrentamento de sua crise estrutural, determinada pela tendência decrescente da taxa de lucro. Os resultados deste esforço ainda desenham, no plano econômico, político e cultural, processos que atingem escala mundial e interferem decisivamente nos modos de vida de bilhões de pessoas.
Uma das estratégias assumidas pelo capital para enfrentar a crise de superacumulação pode ser expressa no conjunto bastante diversificado de alterações nos modos, até então hegemônicos, de organização dos processos e relações de trabalho. O que David Harvey (1993) denominou de “acumulação flexível”, ou seja, uma reestruturação produtiva que combinou diferentes formas de produção e controle da força de trabalho, quebrando, respectivamente, a rigidez do fordismo e do taylorismo. Este processo só foi possível devido a real possibilidade de intensificação da tecnologia como força produtiva e de uma ampla desregulamentação das relações de trabalho. A combinação destas duas condições representou, por um lado, um avassalador aumento do não-trabalho e do desemprego (Antunes, 1999) e a manifestação de novas configurações da questão social em decorrência daquilo que Robert Castel (1998) denominou de “crise da sociedade salarial”.
O impacto desse processo de reestruturação produtiva não pode ser mensurado apenas pelo que representa em termos objetivos: o aumento do trabalho morto em relação ao trabalho vivo, já identificado por Marx (1998) como uma tendência tanto do processo de aceleração da produção da mais-valia quanto das formas de controle do capital sobre o trabalho em virtude do estratégico aumento do excedente de trabalhadores. Trata-se de um descomunal processo de desumanização:

A destrutividade que caracteriza a lógica do capital e de seu processo de acumulação e valorização se expressa também quando descarta e torna supérflua uma parcela enorme da força humana mundial que trabalha, da qual cerca de 1 bilhão e 200 milhões encontram-se precarizados ou desempregados, segundo dados da OIT (Antunes, 2005: 28)

Dentre estes bilhões de pessoas que vivem da condição de ter que vender sua força de trabalho sem ter as condições econômicas objetivas de realizá-la, encontram-se, sobretudo, nos países asiáticos e latino-americanos e, dentre estes últimos, destacadamente no Brasil, um contingente de pessoas com mais de 40 anos que não mais encontram condições de retorno ao trabalho em virtude da extinção de postos de trabalho, crianças que ingressam precoce e ilegalmente em atividades laborativas articuladas aos tipos de trabalho extremamente precarizados e jovens sem oportunidades efetivas de adquirir experiência profissional, condição básica exigida pelo mercado. Para estes segmentos vem se desenhando um leque de políticas públicas que combinam de um lado ações de qualificação profissional3 e salvaguarda dos direitos sociais básicos4 que transferem da esfera do mercado formal de compra e venda da força de trabalho para o campo da proteção social as possibilidades mais viáveis de garantia de sobrevivência.
O que a magnitude deste processo revela é uma progressiva condição da sociedade capitalista, através de sua lógica de acumulação, despender uma grande capacidade de produção e reprodução das desigualdades sociais. Na esteira deste processo a pobreza passa a ter novos contornos, visto que sua produção e condições de existência não são dadas de forma independente deste processo perverso de acirramento das desigualdades sociais. Neste sentido, Stotz nos chama a atenção para o fato de que nos “Estados Unidos, maior economia do mundo, 12% da população viviam na pobreza em 2002” e que a linha de pobreza “estabelecida pelo Banco Mundial para o resto do mundo é definida em torno do patamar de menos de U$2 por pessoa por dia”, enquanto a parcela da população americana, considerada pobre pelos critérios daquele país, recebia em média U$12,59 por pessoa por dia. E que no caso brasileiro, a fome passou a ser considerada um importante critério definidor do que é pobreza, ou seja, são pobres “as pessoas incapazes de garantir sua própria subsistência alimentar”. O autor chama a atenção para os significados políticos destas variações:

Verifica-se, pois, que os conceitos utilizados pelas ciências sociais, como é o caso da economia, são originados de palavras de uso corrente na comunicação humana e estão impregnados de diversos sentidos. Quando se fala de pobreza, sem uma definição adequada, que seja aceita pela maioria, não há também a possibilidade de um consenso em torno de quem deve ser considerado eventualmente beneficiário de uma política de combate à pobreza (2005: 54).

Destacamos como questão central a compreensão de que são estruturais as relações entre o aumento e as novas configurações da pobreza e a lógica da acumulação capitalista, o que diante de um quadro de ruptura com as relações de trabalho em bases salariais e do desemprego estrutural, a atuação do Estado no campo da regulação social torna-se um fator decisivo em relação a efetivação das condições de sobrevivência da grande maioria da população que, por diferentes parâmetros, experimentam a condição de pobreza. Contudo, o próprio Estado também participa deste grande esforço de recomposição do capital, atuando na pavimentação da estrada que reverte os fluxos dos investimentos públicos e do seu próprio papel em relação ao campo da proteção social.
A ofensiva neoliberal dos anos 90 acabou por desestruturar as principais experiências de proteção social organizadas em torno do Estado de Bem Estar Social nos países centrais e impingiu o sucateamento e o esfacelamento da precária rede de serviços sociais em países como o Brasil. A experiência brasileira, sobretudo a partir da proposta de Reforma Gerencial do Estado, significou, na verdade uma Contra-Reforma (Behring, 2003), por representar não só a drástica redução dos recursos do fundo público, destinados às políticas públicas, como o seu deslocamento para financiar o próprio capital através dos processos de privatização e pagamento de juros da dívida externa. Além de promover uma radical alteração na forma de conceber a esfera pública e o papel do Estado, difundindo mediante um amplo processo de desregulamentação e ideologização a concepção de um Estado com perfil mais gestor do que executor.
O deslocamento de parte das ações do campo da proteção social do Estado para a esfera privada filantrópica ou comunitária é decorrente de uma orientação de organismos mundiais, gestores da nova ordem econômica dirigida pelo capital financeiro. Ao tratar da participação do Estado no acirramento da instabilidade social, Valla ressalta:

Diante dos problemas criados para a população brasileira – desemprego estrutural, condições de vida precária -, as recomendações do Banco Mundial e do FMI têm como pressuposto, na verdade, a idéia de que as pessoas e suas comunidades devem ser “criativas” e “se virar” para compensar os problemas criados por essa lógica de individualismo e lucro que prejudica os mais fracos e vulneráveis (2005: 51).

As estratégias postas em curso para o desmonte do ideário e das estruturas pautadas na concepção do estado de Bem Estar Social segundo Laurell foram implementadas pelos governos neoliberais no sentido da “privatização do financiamento e da produção dos serviços; redução dos gastos sociais, eliminando programas e reduzindo benefícios; canalização dos gastos para os grupos carentes; e a descentralização em nível local”. Ressalta, ainda a autora, que:

(...) A condição política para o êxito deste projeto é a derrota ou, pelo menos, o enfraquecimento das classes trabalhadoras e das suas organizações reivindicatórias e partidárias. Nesse contexto, torna-se primordial destruir as instituições de bem-estar social, por constituírem uma das bases da ação coletiva e solidária que diminuem a força desagregadora da competição entre os indivíduos no mercado de trabalho (1995: 164).

Chamamos a atenção para o fato de que todo o esforço empreendido pelos movimentos sociais e de trabalhadores do campo das políticas sociais no sentido da garantia dos direitos sociais encontrou e ainda encontra fortes resistências na operação de desmonte do Estado e que transfere para uma rede de proteção privada parte de suas responsabilidades no campo da proteção social. Se por um lado este processo possibilitou a emergência de novas experiências, oriundas de parcela da sociedade civil que conseguiu se manter organizada e crítica a esta tendência, sem sucumbir às armadilhas da terceirização das políticas públicas, por outro revelou uma avalanche ideológica em torno de novas concepções da relação entre o que é público e o que é estatal que, de um modo geral, vem servindo para a afirmação de uma cultura política que retira os contornos coletivo do enfrentamento da pobreza e os repõe de forma individualizada nas esferas da família, da escola e das instituições, públicas ou não, que implementam programas sociais.
Temos então, um processo que além de econômico e político tem forte conteúdo cultural, visto que opera com formas de compreensão dos problemas que atingem largos extratos da sociedade e que fazem parte dos modos de vida e das formas como serão pensadas e articuladas as estratégias de sobrevivência destes mesmos segmentos sociais. Aqui está caracterizada a centralidade da esfera da reprodução social como um conjunto complexo de práticas sociais necessárias à garantia de um dado modo de organização social da produção e que, por sua vez, são por ele determinados.
As mudanças na esfera da reprodução não se esgotam nas condições de regulação social do Estado em função da ofensiva neoliberal, mas apontam para a necessária produção de novos modos de pensar a realidade social e suas intensas e rápidas transformações. Neste sentido, também o campo cultural experimentou profundas e decisivas mudanças. A mais determinante pode ser demarcada em torno das múltiplas significações da pós-modernidade, apreendidas por Frederic Jameson (1996) como a “lógica cultural do capitalismo tardio”, ou seja, como a expressão de uma cultura sintonizada às radicais mudanças do modo de produção de capitalista onde a lógica da produção da mercadoria penetra de forma visceral os processos de produção e difusão cultural, assim como as visões de mundo.
Esta lógica cultural atenderia a uma condição da produção: a valorização do capital a partir de mercadorias de novo tipo, como os serviços, a cultura e a informação. Trata-se, portanto, de uma mudança que combina a esfera da produção e da reprodução em novos patamares, ou seja, favorecendo uma espécie de “fordismo” no campo da produção cultural para atender às exigências da acumulação por “novos” meios de valorização do capital articulado à produção de “novas” visões sobre a realidade. Assim a lógica da produção da mercadoria atravessa indistintamente a produção cultural, quer no sentido das “novas” mercadorias, quer das “novas” elaborações sobre a realidade, tornando uma e outra - assim como qualquer mercadoria submetida hoje, mais do que nunca, à lei tendencial da queda da taxa do valor de uso - completamente descartável com o uso.
Partindo da compreensão gramsciana da cultura como visão de mundo, resgatamos neste autor uma ponderação substantiva para a compreensão da extensão e significados destas mudanças, quando afirma que:

Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham de um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico do conformismo e do homem-massa do qual fazemos parte? (GRAMSCI, 1987: 12).

O pertencimento a diferentes tipos de homem-massa é produto de um processo histórico que, segundo o autor, deve ser superado com a crítica a própria concepção de mundo, favorecendo uma concepção unitária e coesa em oposição a uma concepção desagregada e ocasional. Reiteramos, desta forma, exatamente a possibilidade desta crítica estar presente nas experiências educacionais desenvolvidas junto a segmentos sociais que, pelas suas condições de vida - aqui tomadas em suas formas concretas de inserção nos processos de produção e reprodução das desigualdades sociais – têm, contraditoriamente, nas políticas públicas, neste cenário neoliberal e de privatização da esfera pública, seus limites e suas possibilidades. A tendência de subordinação dos processos de produção e difusão cultural à lógica da produção da mercadoria em articulação com a disseminação das perspectivas individualizantes do ideário neoliberal nas instituições que implementam programas sociais conformam um determinado tipo de consenso. Ao qual se opõem as experiências educacionais que visam garantir a crítica às concepções de mundo dominantes.
Esta tarefa não pode ser compreendida como exclusiva a determinados segmentos profissionais e nem restrita aos âmbitos institucionais em que se localizam. A articulação destes processos institucionais aos processos históricos de resistência cultural é um pressuposto pedagógico e político e que não pode desconsiderar as condições objetivas de sua realização, ao contrário, deve toma-las como condição central de sua dimensão instituinte:

Em outras palavras: os movimentos necessários para forjarmos outras formas de conviver, produzir, pensar e compartilhar a vida, mais solidariamente, não se encontram num além, sobreposto ao nosso cotidiano de mulheres e homens, esperando apenas que os sagazes e geniais os “descubram” para usá-los e aplicá-los, mas está entre nós, como relações integrantes de nossas vidas, que cobram sempre outras elaborações, capazes de ressignificar práticas sociais de forma criadoramente ética. Trata-se, desta maneira, de processos de diferir que vão na contramão de pressões excludentes e homogeneizadoras – ainda hegemônicas – afirmando-se na busca por desativar e demolir esquemas que sustentam a manutenção e o aprofundamento das desigualdades sociais (Linhares, 2004: 16).

Alerta a autora para o significado dado a expressão “instituinte” como uma diferenciação do que seria “novo” e que tão bem serve à lógica cultural subordinada à produção da mercadoria. As experiências instituintes adensariam, desta forma, um processo de elaboração cultural dirigido para uma outra direção:

(...) A força dos movimentos políticos instituintes não está nas decisões que uma assinatura pode legalizar. Sem prescindir desses gestos, entendemos sua vitalidade e legitimação vem dos movimentos históricos que carregam sonhos, desejos e projetos que foram marginalizados e até interditados em outros períodos, clamando por serem reapropriados para a pavimentação de uma cultura, sustentada de forma mais plural e emancipatória (Ibidem, 2002: 119).

A vitalidade destas experiências é a base construção coletiva de uma educação não atrelada aos ditames do capital, evidenciando a sua própria potencialidade no âmbito dos processos históricos de emancipação humana, ou seja, antagônicos à crescente desumanização imposta pela subsunção do trabalho ao capital em larga escala. Ao destacar a dimensão histórica que envolve o esforço de se reverter este processo, Istiván Mészáros chamou a atenção, durante a conferência de abertura do Fórum Mundial de Educação realizado em Porto Alegre no ano de 2004, para o papel a ser cumprido pela educação:

(...) Portanto, o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração das estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente (2005: 65).

Se a valorização do sujeito no processo de automudança consciente é uma condição destacada por Mészáros para se compreender o papel da educação no curso da construção de uma sociedade diferente da atual, ela impõe uma ênfase completamente distante daquelas experiências educacionais pautadas na lógica da produção da mercadoria. A formação utilitarista e individualmente empreendedora resultante dos ajustes de uma educação atrelada à nova condição de desemprego estrutural, conforme demonstra Gentili (1998) ao analisar a “desintegração da promessa integradora”, não pode ser tomada como referência para a condução de práticas instituintes. Ao contrário, estas práticas apontam para uma perspectiva de educação que valorize o sujeito e não que o submeta a um processo de alienação e desumanização naquilo que consiste sua potencialidade criativa: o trabalho. A inversão provocada por uma sociedade que educa para a submissão deve ser o foco de uma ação também educativa de sentido oposto, conforme defendia Paulo Freire:

É necessário, porém, que o trabalhador social se preocupe com algo já enfatizado nestas considerações: que a estrutura social é obra dos homens e que, se assim for, a sua transformação será também obra dos homens. Isto significa que a sua tarefa fundamental é a de serem sujeitos e não objetos de transformação. Tarefa que lhes exige, durante sua ação sobre a realidade, um aprofundamento de sua tomada de consciência da realidade, objeto de atos contraditórios daqueles que pretendem mantê-la como está e dos que pretendem transformá-la (1979: 48).

Chamamos a atenção para o fato de que a subordinação da própria educação à lógica da produção da mercadoria expressa um dos limites impostos às experiências educacionais na atualidade, uma vez que transfigura a noção da educação como direito na concepção de um serviço que pode ser comercializado ou cuja produção se submeta a critérios outros distantes da esfera de luta pela garantia e ampliação dos direitos sociais (Frigotto, 2001). Da mesma forma que a progressiva complexificação da vida e das formas de produção social têm levado a um incessante movimento de fragmentação do real, quer das práticas sociais e profissionais, quer dos conhecimentos que as orientam. Tomar as experiências educacionais como práticas instituintes é essencialmente reconhecer suas potencialidades de superação da lógica fragmentária hegemônica de organização do fazeres e dos saberes.
A inserção dos assistentes sociais na área de educação não se constitui em um fenômeno recente, sua origem remonta aos anos iniciais da profissão em sua atuação marcadamente voltada para o exercício de um controle social sobre a família proletária e em relação aos processos de socialização e educação na classe trabalhadora durante o ciclo de expansão capitalista experimentado no período varguista. Sua notoriedade atual em muito se deve a três tendências observadas no campo das políticas sociais a partir dos anos 1980:
O enfrentamento da pobreza a partir de políticas públicas que estabelecem condicionalidades em relação à educação escolarizada.
A interface de diferentes políticas setoriais, em especial aquelas dirigidas aos segmentos sociais em situação de vulnerabilidade social, tornando o acesso à educação escolarizada um marco na afirmação dos direitos sociais de crianças e jovens.
O alargamento da compreensão da educação como direito humano, adensando as práticas sociais organizadas em torno de diversos e abrangentes processos de formação humana, criando uma arena de disputas ideológicas fortemente mobilizadoras dos paradigmas educacionais em disputa no âmbito do Estado e da sociedade civil como os de: empreendedorismo, empregabilidade e emancipação.

Essas tendências conformam novos desenhos à aproximação do Serviço Social com a área de educação, dando uma amplitude, sem precedentes, às possibilidades de atuação do assistente social. Os novos percursos passam tanto pelo ingresso na política de educação através de diferentes formas de vinculação institucional à dinâmica escolar (pólos, escolas, coordenadorias, programas e projetos especiais), quanto pela interface estabelecida a partir do campo sócio-jurídico, das políticas para a infância e para a adolescência, assistência social, de esporte e lazer.
Alguns desafios se colocam para o trabalho do assistente social neste percurso. O primeiro a ser destacado diz respeito às demandas que recorrentemente lhes são apresentadas em relação à resolução de uma série de conflitos de natureza sócio-instituicional, característicos de um campo que paulatinamente vem sofrendo com um profundo distanciamento entre as estratégicas pedagógicas de mobilização para um investimento cultural, como requer a educação escolarizada, e a herança social de uma população cada vez mais mergulhada nas dificuldades decorrentes do esforço de forjar novas estratégias de sobrevivência. Esse emaranhado institucional se expressa, sobretudo, nas turmas de aceleração, nas classes especiais, nas turmas de progressão e nos processos de freqüência irregular e evasão.
Um outro desafio diz respeito às requisições de inserção na rede de serviços sociais que tipificam a presença dos assistentes sociais nos processos de intermediação institucional entre as unidades educacionais e as demais políticas sociais. Essa dimensão do trabalho do assistente social na área de educação, muito embora não seja exclusiva a esta área, adquire uma particularidade importante hoje na medida que esbarra em diferentes concepções presentes nessa área sobre a relação entre a própria educação e assistência; ora reduzindo-a a um conjunto de preocupações e ações assistencialistas, ora a uma relação que muito pouco tem a ver com a dinâmica das unidades educacionais, caracterizando-se como uma necessidade estranha à dinâmica escolar.
Destacamos ainda um outro vetor importante e atual que expressa tendências em curso de instauração de novas racionalidades na forma de organização do trabalho coletivo na área de educação, mas, particularmente, na de assistência social, em função da implantação do Sistema Único de Assistência Social. A racionalização da prestação dos serviços sociais mediante parâmetros mais visíveis, com maior complexidade organizacional, além de maior impacto e abrangência social, tem levado a uma mudança radical e profunda nas formas de condução do trabalho do assistente social. Destacamos, neste sentido, de um lado o aumento da requisição por uma rotina mais burocrática e de maior dedicação para as atividades de articulação interinstitucional e, de outro, a progressiva diminuição do tempo e das condições de realização de uma atuação mais pedagógica.
Gostaríamos de concluir essa reflexão apontando as contradições desse processo que ao mesmo tempo em que empresta tonalidades marcadamente restritivas ao trabalho do assistente social encerra também possibilidades de desenvolvimento de experiências instituintes no campo educacional, na medida que aponta para a afirmação da educação dos segmentos mais pobres da população como um processo que articule a luta pelos direitos sociais como um componente estrutural de uma concepção de educação distinta daquela que constitui a pedagogia da hegemonia neoliberal e mercantilista. Uma educação potencializadora de novas possibilidades civilizatórias, conquanto só se torne possível se pensada a partir das necessidades reais das classes sociais subalternizadas, onde o direito à sobrevivência se constitui num elemento político central na construção de uma outra prática pedagógica e social.
Devemos enfatizar, nesta direção, a necessidade de se analisar as dimensões que tornam potencialmente instituintes as práticas sociais que são fundadas a partir destas novas fronteiras das políticas públicas com a educação, entrelaçando de um lado requisições e espaços de atuação distintos dos tradicionalmente reservados aos educadores e, de outro, articulando práticas e saberes de diferentes profissões no difícil percurso de ampliação do acesso e da convivência de alguns segmentos sociais à educação escolarizada. Como pensar uma educação em sentido amplo sem considerar a luta pelo acesso e ampliação dos direitos sociais uma condição dessa mesma concepção?


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